Após derrubar mais de 13 mil sites de apostas sem licença no Brasil, o governo federal centrará esforços em combater o mercado clandestino atacando as instituições financeiras que atuam para as bets ilegais. A estratégia é fechar os canais que permitem a movimentação do dinheiro e, com isso, travar o negócio.

Uma portaria foi publicada em abril com as novas regras e mais de 30 empresas já foram notificadas pela Secretaria de Apostas Esportivas (SPA) do Ministério da Fazenda para que expliquem as operações feitas e apresentem sua defesa. Pela lei, as instituições financeiras não podem movimentar dinheiro de casas de apostas que não tenham registro no país.
As multas podem chegar a até R$ 2 bilhões, mas o governo não revela a lista de notificadas, com o argumento de que ainda estão em fase de investigação. A reportagem apurou, no entanto, que não há grandes bancos ou instituições financeiras envolvidos.
As operações das bets ilegais se concentrariam em instituições de pagamento (IP) que atualmente não precisam de autorização do Banco Central para funcionarem, pelo volume pequeno de transações.
Uma IP pode fornecer meios de pagamentos, como cartões pré-pagos e transferências de dinheiro, mas não tem autorização para emprestar dinheiro. Elas só precisam de aval do Banco Central após atingirem um volume mínimo de transações -que hoje é de R$ 500 milhões e será reduzido ano a ano, até 2027.
Essas IPs que não precisam de autorização do BC têm servido para que bets instaladas fora do Brasil, como na China e no paraíso fiscal de Curaçao, no Caribe, recebam dinheiro de apostadores brasileiros.
A regulamentação do governo federal determina que apenas instituições financeiras, como bancos, ou as instituições de pagamento autorizadas pelo BC possam manter contas de empresas de apostas. E, nesses casos, é preciso que confiram se a bet tem autorização dos órgãos públicos para funcionar no Brasil.
A lei permite que somente casas de apostas que pagaram R$ 30 milhões de outorga ao governo possam operar nacionalmente, além de exigir que sigam uma série de regras de conformidade, como garantir que apenas maiores de 18 anos possam apostar.
Há empresas, porém, que utilizam sites e propagandas ilegais, além da promessa de bônus para novos jogadores (o que é proibido no Brasil), para enganarem apostadores e receberem dinheiro. Geralmente, é impossível resgatar os recursos após o depósito.
De acordo com fonte do governo, a estratégia agora é fechar o cerco sobre as instituições de pagamento para impedir que o dinheiro chegue às bets ilegais. Na percepção do Executivo, será mais eficiente perseguir duas dezenas de instituições financeiras do que milhares de sites espalhados na internet.
Combater a disseminação de plataformas na internet é quase impossível, na avaliação de integrantes do governo, já que essas empresas lançam outros sites assim que um é derrubado. Até agora, 13,1 mil já foram bloqueados pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
Além de possíveis multas, o governo também ameaça “fichar” as IPs não autorizadas que trabalham para sites ilegais e ameaça apresentar essa informação quando elas forem solicitar o aval do Banco Central.
Na avaliação do Executivo, as instituições financeiras não podem alegar falta de condições para identificar se a conta é utilizada por uma bet ilegal. As apostas esportivas, de acordo com autoridades, têm um padrão facilmente detectável de valores e horários das operações.
Leonardo Baptista, CEO da Pay4Fun, empresa de pagamentos que atua no setor de apostas, concorda.
“Nosso mercado tem comportamento muito específico de transação e dá sim para detectar. Tem uma quantidade absurda de transações em período curto de tempo em eventos específicos. Um exemplo é a final da Champions League, que gera um volume absurdo”
diz.
O setor estima que 50% das operações realizadas no Brasil ocorram no mercado ilegal e tem enviado para investigação do Ministério da Fazenda informações sobre empresas que atuam de forma irregular, afirma o presidente-executivo do IBJR (Instituto Brasileiro de Jogo Responsável), Fernando Vieira.
A fraude chega até ao uso, por sites clandestinos, do CNPJ de empresas devidamente autorizadas no Brasil e de um número de licença falso para enganar os apostadores. Elas também utilizariam instituições de pagamento que não precisam de aval do BC para movimentarem o dinheiro, segundo denúncias.
A Stake, casa de apostas internacional com representação no Brasil, enviou ofícios ao governo para denunciar o uso de seu nome e dados por pelo menos três sites ilegais e alertar sobre as IPs que fazem as operações bancárias para eles: Nexus Tech Intermediações, Moeda Smart e Moeda One. A reportagem tentou contato com essas três empresas, por e-mail e telefone, mas não obteve resposta.
Outra instituição de pagamento denunciada por entidades do setor ao governo, segundo relatos à reportagem, é a Voluti, companhia de Pato Branco (PR) que atua como intermediária de transações financeiras para empresas de jogos e varejo e que, pelo volume de negócios, ainda não precisou de registro no BC.
Em nota, a empresa negou “qualquer associação indevida a práticas ilícitas” e disse que parte dos serviços prestados está vinculada a operações com loterias municipais -cuja autorização para existir é questionada no STF (Supremo Tribunal Federal).
“A empresa somente presta serviços a operadores que possuam licenças válidas emitidas por autoridades federais, estaduais ou municipais. Não há, em nossa carteira de clientes, qualquer empresa que atue sem autorização específica para a atividade que exerce”
disse a Voluti em nota.